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O que dizem as vozes discordantes sobre a COP21, maior evento climático de 2015

05/01/2016

No balanço de 2015 sobre questões ligadas a uma nova ordem social, ambiental e econômica, a Conferência do Clima que aconteceu em Paris (COP-21)  e acabou com promessas de 196 países frearem suas emissões de carbono, não pode deixar de ser a principal referência. Há muito se esperava esse “acordo histórico”, e ele saiu. Os países agora têm metas, que deverão ser avaliadas a cada 5 anos. A visão dos otimistas é de que esse vai ser o primeiro passo para que a temperatura do planeta aumente “apenas” 1,5 grau, em vez dos 3 graus que os cientistas afirmam que vai aumentar caso não se decida, por exemplo, a parar agora o uso de combustíveis fósseis.  Mas, no acordo histórico, isso não é nem mencionado.

Baixada a poeira das comemorações, mais de 15 dias depois de o diplomata Laurent Fabius ter batido o martelo e declarado o acordo, procurei notícias sobre o pós-COP21 nos sites dos movimentos socioambientais. As reações não chegam a ser surpreendente. E dão conta de que o fosso entre ricos e pobres e a eterna mancha da desigualdade social continua a perturbar, até mesmo quando acontece uma grande negociação e um acordo global.

Do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), a diretora Moema Miranda, que esteve em Paris, deu uma entrevista ao site da organização (leia aqui) cinco dias após o fim da Conferência. Ela toma cuidado ao não avaliar as reações como pessimistas ou otimistas, já que esse tipo de consideração pode até mesmo simplificar demais uma análise que deve seguir outros parâmetros.  Assim como pensam outros representantes de movimentos sociais, para Moema o que deveria ter sido posto em debate, quando se consegue reunir todos os países, é o sistema que causa tanto empobrecimento a uma parcela tão grande da população. Segundo a estatística do Credit Suisse divulgada em outubro deste ano (ouça aqui) , 1% da população mundial concentra metade de toda a riqueza.

Segundo Moema Miranda, “O aquecimento global é um indicador da forma de produção e consumo que tem gerado um poder crescente para as corporações e um empobrecimento crescente de uma grande camada da população. Esse sistema não foi questionado na COP”.

“ Trata-se de um acordo que foi assinado por muitos países num processo de negociação em que foram abandonadas todas as cláusulas mais importantes que pudessem implicar uma alteração mais radical do sistema que vivemos. Sistema que é a causa mais forte do aquecimento global. O acordo reflete os interesses das corporações que dominam o sistema”, disse Moema.

Essa visão é semelhante à de Iara Pietricovsky, membro do colegiado de gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). Ela também acompanhou sobretudo as reuniões paralelas da COP e escreveu um artigo no dia seguinte ao acordo, denunciando o que chamou de “verdade inconveniente da COP: as corporações venceram” (leia aqui na íntegra) :

“Os Estados-Nação abdicam de seu papel moderador dos diversos interesses da sociedade e fiscalizador dos bens comuns, para serem um ator a mais, e imbuído da missão de abrir espaço no âmbito das mentalidades e do marco regulatório e jurídico, para que as grandes corporações e instituições do sistema financeiro pudessem atuar com liberdade e sem constrangimentos.  A lógica corporativa redesenha os Estados, e seus governos operam em total submissão.  Caso contrário, pagam o preço com as crises políticas e econômicas até seu esfacelamento, ou são acionados juridicamente, como vem acontecendo em várias partes do mundo (Canadá e Alemanha são exemplos de governos, entre outros, acionados por grandes multinacionais por atrapalharem seus investimentos e lucros)”, escreve Pietricovski.

 No site The Leap (veja aqui) , criado pela jornalista Naomi Klein, que fez uma cobertura praticamente passo a passo da Conferência, um texto escrito no dia 18 de dezembro desconstrói a maioria  das notícias divulgadas após o evento. Para começar, a crítica vai à expressão “acordo”. Na verdade, diz o artigo, o acordo não compromete nenhum país.

“O texto "convida", "recomenda", "encoraja", "pedidos", "novos pedidos", e mesmo "exorta" os países a fazerem uma série de coisas. E há requisitos. Mas a obrigação fundamental de cada um é submeter as metas que ele "tem a intenção de alcançar." Se, por um lado, as metas de um país serão regularmente atualizadas, e enquanto governos "perseguirem" ações "com a finalidade de alcançar os objetivos", por outro eles ficam livres para falharem no processo de baixar as emissões, sem que se vejam obrigados a pagar por isso” , diz o texto, numa clara referência à falta do acordo vinculante no acordo.

O Secretário de Estado norte-americano John Kerry ficou muito satisfeito e declarou que o acordo iria “evitar as piores consequências, as mais devastadoras, que poderiam ser causadas pelas mudanças do clima”. Já o ex-vice-presidente Al Gore, que ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 2007 por causa do seu documentário “Uma verdade inconveniente”, qualificou o texto de “acordo universal e ambicioso” e afirmou que a era do crescimento sustentável começou agora e não vai ter volta.

O texto do site “The Leap” , que quer dizer “O salto”,  contesta essa afirmação. Assim também como faz críticas aos articulistas da mídia que entendem que o acordo pode ser visto como um sinal aos mercados financeiros e globais de energia de que haverá uma forte mudança, e que a partir de agora não é boa ideia investir em carvão, petróleo e gás.

“Esta é uma interpretação compartilhada tanto por políticos como por muitos grupos ambientais. É claro que os defensores do clima vão buscar usar o acordo para pressionar os governos a fazer precisamente este tipo de mudança histórica. Mas o texto do Acordo conta uma história diferente. Ele nunca menciona os combustíveis fósseis. Nem uma vez. A expressão "energia renovável" aparece uma única vez. Na verdade, o texto diz que os países irão "apontar" para um ‘equilíbrio entre as emissões antrópicas por fontes e remoções por sumidouros de gases de efeito estufa na segunda metade deste século’."

Quando menciona que as emissões poderão começar a ser equilibradas após 2050, o texto assinado pelos países está deixando uma possibilidade para as empresas de combustíveis fósseis continuarem poluindo até lá. E isso, segundo os cientistas já afirmaram amplamente, é totalmente inadequado com uma proposta de baixar as emissões para evitar o aquecimento.

Em linhas gerais, os artigos que criticam a COP apontam para uma saída menos globalizada para o problemão que, todos reconhecem, a humanidade já está vivendo. Um exemplo é a cidade de Portland, uma das maiores dos Estados Unidos, onde a pressão dos ativistas fez com que o prefeito assinasse uma resolução contra qualquer novo terminal de exportação de combustíveis fósseis. A resolução já está contaminando outras prefeituras ali por perto a fazerem o mesmo.

É no que acreditam os que lutam não só por condições da atmosfera que não possibilitem um aquecimento global, mas também por condições do planeta que possibilitem uma vida mais justa e digna para todos.

Fonte: Globo Natureza