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Produção e consumo de combustíveis puxa emissões de gases do efeito estufa no Brasil, diz estudo

14/08/2015

Pegue uma notícia, junte a outra notícia, se possível a outra mais, e assim terá uma análise. Os dados não podem ser conflitantes para que a receita não desande. A proposta é ampliar as perspectivas, exercitar um pensamento não hegemônico, longe do senso comum, sem estar subordinado a nada. Não é fácil, tem que vencer algumas barreiras, questionar algumas legitimidades e não cair em tentação de encontrar o certo e o errado. Só pensar já é uma tarefa e tanto.

Pois eu estava no trecho do livro “The Price of Inequality” (Ed. Norton, sem tradução no Brasil) que o Prêmio Nobel em Economia Joseph Stiglitz  escreveu em 2013, onde ele faz um baita elogio ao Brasil, vejam só: “Sob a presidência de Fernando Henrique Cardoso houve aumentos expressivos nos investimentos em educação, inclusive para os pobres. Sob a presidência de Luiz Inácio Lula da Silva houve investimentos no social para diminuir a pobreza e a fome. A desigualdade foi reduzida, o crescimento cresceu, e a sociedade ficou mais estável. O Brasil ainda tem mais desigualdade do que os Estados Unidos, mas enquanto o Brasil vem se esforçando, quase com sucesso, para melhorar a situação do pobre e reduzir o fosso entre ricos e pobres, a América permitiu que a desigualdade crescesse e a pobreza aumentasse”, escreve Stiglitz.

Foi uma surpresa, não esperava ler a citação. E, assim que fechei o livro e abri o computador, li aqui no site a notícia de que a Agência Moody’s rebaixou a nota do Brasil e mudou sua perspectiva para estável, o que não é considerado bom por quem entende desse mundo de classificações, riscos e finanças . A expressão - “nota rebaixada” -  já soa como uma reprimenda. E eu, que acabara de ficar orgulhosa com a citação positiva no livro de Stiglitz...  Penso que, para quem está interessado em ver resultados positivos sobre seu investimento, e assim continuar investindo, a questão da desigualdade não é a prioridade.

Mudando de prosa, passo a focar o clima. Mas continuo a convidar a fazer ligações, redes, a engendrar pensamentos. Nesta terça (11), a rede Observatório do Clima (OC), que reúne 37 entidades da sociedade civil com o objetivo de discutir os efeitos das mudanças climáticas no contexto brasileiro, apresentou uma análise inédita das emissões de gases do efeito estufa (GEE) no Brasil. A conclusão pessimista é de que entre 1970 e 2013 o setor de energia – que inclui produção e consumo de combustíveis (transporte) e energia elétrica – quadruplicou seus níveis de GEE, chegando a 2013 com 29% das emissões brasileiras. Nos últimos cinco anos, as emissões nessa área aumentaram 34% e nenhum outro setor teve crescimento tão acelerado, diz o release que recebi, por email. “A expansão se deve à queda da participação do etanol, ao aumento do consumo de gasolina e diesel, além do incremento de geração termelétrica”, diz Carlos Rittl, secretário-executivo do OC.

A questão é que em 2009, durante a COP-15 (Conferência sobre o Clima que aconteceu em Copenhague), o Brasil se permitiu apresentar uma meta de reduzir entre 36,1 e 38,9%  suas emissões até 2020 (leia aqui) . Na verdade, naquela mesma Conferência,  cientistas afirmaram que o mundo  inteiro precisa reduzir de 25 a 40% as emissões se quiser manter em 2 graus o aquecimento no fim do século.


A redução do desmatamento está ajudando a botar o país no trilho da meta que se propôs em 2009, mas os especialistas do OC acham que é preciso cautela antes de comemorar. Este é o pior vilão das emissões brasileiras, segundo a análise: respondeu por 35% do total dos gases emitidos em 2013. A boa notícia é que houve uma redução de mais da metade de participação neste setor, chamado de “mudança no uso do solo”, de 1990 para cá. Mas, segundo Tasso Azevedo, que coordena o Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg) da Rede OC, em 2013 o desmatamento voltou a aumentar e só neste ano de 2015 houve um aumento de 3% nas emissões.


A terceira maior responsável pelas emissões no Brasil é a agropecuária; os processos industriais estão no penúltimo lugar (com destaque para siderurgia e produção de cimento, os dois segmentos que mais emitiram no setor). Quem menos contribui para a poluição do ar e mudanças climáticas é o setor de resíduos. A conclusão dos analistas da Observatório do Clima é que o Brasil “ainda não incorporou uma estratégia de desenvolvimento que leve em conta o controle das emissões de gases do efeito estufa”.

País já está no cenário das mudanças climáticas

Outra ONG, a 350.org, especializada em incluir o fator humano na luta contra as mudanças climáticas,  fez um alerta no dia 21 do mês passado, reavivando um pouco a memória dos brasileiros para ajudar-nos a perceber que o Brasil já entrou no cenário mundial das mudanças climáticas. Tornados no Sul, seca no Sudeste, chuvas torrenciais no Norte, alternâncias de temperatura atípicas para o calendário (frio no verão, calor no inverno) são provas irrefutáveis de que o clima está mudando.

“A cada ano as mudanças climáticas estão se intensificando e aumentando o grau de destruição. E mais: os eventos radicais do clima estão acontecendo em regiões onde nunca houve esse tipo de registro, o que deve servir para acender o alerta vermelho para todos nós”, disse a diretora da ONG aqui no Brasil, Nicole Figueiredo de Oliveira.

Aqui vale uma explicação sobre o nome da ONG em questão. 350 partes por milhão é quanto, na avaliação dos cientistas, a Terra aguenta de concentração de CO2 na atmosfera sem causar os eventos extremos que praticamente inviabilizam a vida dos humanos. Ocorre que, segundo dados recentes publicados pela Agência Nacional de Observação Atmosférica (Noaa), as concentrações globais de dióxido de carbono (CO2) atingiram um recorde de média global de 400 partes por milhão no mês de março deste ano (leia aqui).

Mais gases, mais desastres ambientais. E, como se sabe, os pobres são as maiores vítimas. Aqui no Rio de Janeiro, o último grande conflito desses que nos atingiu foi quando uma chuva jamais vista caiu sobre a Região Serrana em 2011. Os governos não estavam preparados para a tragédia e, segundo informações de pessoas que vivem ou frequentam muito assiduamente o local, ainda hoje não há nenhum plano estruturado para livrar as pessoas de morte ou de perder entes queridos além de tudo o que têm materialmente. Recentemente fiz uma entrevista com dois profissionais que lidam com as vítimas (leia aqui) e o que eles contam não é animador.

Enquanto isso, em Nova York, no início do mês houve o anúncio oficial sobre a definição dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). É uma espécie de guia, um texto que vem sendo negociado há dois anos pelos 193 Estados-Membros das Nações Unidas e diversas organizações da sociedade civil, para substituir os Objetivos do Milênio (ODM) cujo prazo termina este ano. A favor da ONU, especialistas lembram que muitos dos ODM foram alcançados e mudaram o cenário de pobreza de alguns países. O Brasil contribuiu intensamente, como bem lembra Stiglitz no livro que menciono no início desse texto, para o alcance global da meta número 1, que é reduzir a pobreza extrema e a fome. Mas há críticos, como o economista mexicano Enrique Leff, para quem “O resultado (dos ODM) é uma montagem para mostrar que essa forma de gerar o desenvolvimento dá certo. E assim vão conseguir medições que podem dar certo, mas gerando outros efeitos negativos, como a destruição do meio ambiente e dos modos de vida tradicionais sustentáveis.” (leia aqui).

É mais ou menos isso, uma montagem de pensamentos, o texto que acabo de escrever. Que sirva para mais reflexões sobre nossa era de ditos, não ditos, conclusões precipitadas e paradoxos.

Fonte: g1.com